O que nós podemos fazer para apoiar quem está passando por esse momento? 

A infertilidade é uma ocorrência que atinge muitos casais. Só que para além dos tratamentos físicos para que a gravidez aconteça, é importante também cuidar da saúde mental dessas pessoas. Por conta disso, a psicóloga Thairine Guimarães Kachuba (CRP 08/23760), discute sobre a saúde mental de quem está tentando ter filhos e quais os distúrbios que isto pode desencadear. 

 

Mais Saúde: Como é entendida a infertilidade e como ela pode afetar psicologicamente?

Thairine: A infertilidade, entendida como uma dificuldade de alcançar gravidez após 1 ano de relações sexuais regulares e sem uso de métodos contraceptivos, muitas vezes é um obstáculo inesperado pelos casais e acaba frustrando um objetivo de vida e até mesmo de identidade em um dos aspectos que compõe a vida adulta, a capacidade de reprodução.

A necessidade de lidar com o diagnóstico de infertilidade e com o próprio tratamento pode resultar em sofrimento psicológico que vai desde reações emocionais transitórias a formas mais graves de sintomatologia psicopatológica. Pesquisas apontam risco para o desenvolvimento de sintomas de depressão, ansiedade e estresse clinicamente significativos. 

O estresse com relação ao tratamento assim como o medo de não conceber costumam estar relacionados à ansiedade, enquanto a depressão se relaciona a resultados negativos no tratamento. Tais sintomas podem receber influência de fatores diversos como diferenças de gênero, causas e duração da infertilidade, estágio da investigação diagnóstica e abordagem de tratamento, capacidade de adaptação ao problema e o sentido e motivação para ter filhos.

 

Mais Saúde: Quais os sofrimentos que isso pode trazer?

Thairine: Apesar de a condição da infertilidade poder ser transitória, o diagnóstico escancara uma ausência de controle das funções reprodutivas impactando diretamente sonhos e objetivos de vida. Torna-se um evento difícil para os casais e muitas vezes para suas famílias, exigindo reorganização de planos e objetivos alcançando até mesmo o aspecto financeiro. Isso tudo, somada a presença de pensamentos acerca da importância da parentalidade como objetivo essencial à vida e a rejeição de um estilo de vida sem filhos, pode resultar em sentimentos de choque, tristeza, raiva, frustração, perda de autoconfiança, sensação de derrota e falta de realização no papel de mãe-pai. Estudos apontam que emoções complexas relacionadas à infertilidade se assemelham à vivência de um luto. 

A dificuldade em concretizar o desejo de filiação, abrangendo as expectativas dos papéis de gênero e o próprio processo do tratamento, podem gerar ainda conflitos e problemas de comunicação e de sexualidade entre o casal, como a dificuldade em lidar com a programação das relações sexuais (prática que integra algumas modalidades de tratamento) ou diminuição da satisfação sexual.

Outro sofrimento presente está relacionado a preocupações sociais, como a sensibilidade com comentários de outras pessoas, podendo resultar em isolamento social e alienação da família e amigos. 

Esse impacto em diferentes áreas da vida pode levar a pessoa ao que chamamos de esquiva experiencial, que se caracteriza pela indisponibilidade para estar em contato com acontecimentos privados, como emoções difíceis o que pode induzir a por exemplo, afastamento de amigos e familiares para evitar falar ou ser questionado sobre filhos e assim entrar em contato com as emoções, embora antes esse contato fosse valoroso para a pessoa. 

 

Mais Saúde: Como alguém pode lidar psicologicamente com a infertilidade?

Thairine: Devido a processos de esquiva experiencial, ou seja, a evitação das experiências dolorosas relacionadas à infertilidade, muitas pessoas acabam restringindo a vida e outras experiências ou concentrando toda sua energia e atenção exclusivamente à condição da infertilidade, se afastando de lugares, pessoas e atividades que considera valorosas. Essa estratégia funciona em curto prazo, afastando as emoções difíceis, mas ao mesmo tempo impede que a pessoa entre em contato com vivências que possam lhe proporcionar prazer. 

Uma forma de lidar psicologicamente com a infertilidade é a ampliação da vida. Redescobrir pontos de conexão com a vida e investir neles. É claro que toda a complexidade emocional que acompanha a infertilidade não cessa com essa atitude, mas auxilia na regulação emocional diante de um evento tão estressor.

Outra forma de lidar com essa realidade se relaciona com o que chamamos de Humanidade compartilhada. Encontrar pessoas que passam ou passaram por experiências semelhantes para constituição de rede de apoio e troca de experiências pode ser muito importante, a fim de construir um lugar de partilha, segurança e compreensão acerca de seus sentimentos e pensamentos sobre a infertilidade. 

 

Mais Saúde: De que maneira podemos ajudar quem está passando por isso?

Thairine: Estudos apontam para a dificuldade de pessoas com o diagnóstico de infertilidade em lidar com as cobranças sociais e familiares para se ter um filho. Isso contribui para comportamentos de esquiva de situações e pessoas que pudessem fazer perguntas ou comentários sobre uma possível gravidez. Diante dessa realidade, uma postura de escuta, acolhimento e validação das emoções do outro é fundamental.

 

Mais Saúde: Como a psicoterapia ajuda essas pessoas e qual a sua importância? 

Thairine: A psicoterapia, através de estratégias como reestruturação cognitiva, psicoeducação, técnicas de relaxamento e atenção plena, identificação de valores, desenvolvimento de autocompaixão entre outras, oferece um espaço seguro de escuta e acolhimento para auxiliar que as pessoas possam aceitar a realidade e tomar ações comprometidas com seus valores e saúde. Com isso o processo de psicoterapia visa auxiliar que a pessoa busque uma vida que vale a pena ser vivida, não somente no momento e na possibilidade de alcançar uma gestação, mas que possamos construí-la desde já, no aqui e agora.

 

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